A dívida ética e moral de Ronaldinho com o Grêmio e sua torcida é impagável. Como dizia uma das faixas ‘ofensivas’ que entraram no estádio, apesar da Brigada Militar, nem 100 anos serão suficientes para perdoar a traição.
Mas cada parcela que for quitada irá proporcionar uma alegria indescritível ao torcedor, uma sensação de alma lavada e enxaguada, como repetia um antigo personagem do Chico Anísio.
Foi assim que me senti ao final da sensacional virada do Grêmio sobre Ronaldinho (sim, Ronaldinho, o adversário não era o Flamengo), chegando aos 4 a 2 depois de começar perdendo de 2 a 0.
Ronaldinho teve chance de se recuperar do golpe aplicado dez anos atrás, mas optou por enganar mais uma vez o clube que um dia foi a sua casa, o seu lar, o lugar onde deu os primeiros passos na vida e no futebol.
Em troca, Ronaldinho tem hoje o repúdio e o desprezo da imensa maioria dos gremistas. E isso ficou bem claro hoje, para o Brasil e para o mundo. A torcida gremista colocou para fora a sua indignação, sua revolta, sua raiva. Mas só teve sucesso total em seu objetivo de humilhar seu antigo ídolo porque encontrou no time um parceiro aplicado, um cúmplice.
As vaias, as palavras e frases ofensivas, os gritos, os cantos, nada disso teria maior consequência se os 90 minutos do jogos fossem como os primeiros 45. O protesto ficaria quase sem sentido. Ronaldinho deixaria o campo vitorioso, vaiado, mas vitorioso.
A torcida fez a sua parte, foi magnífica, inclusive por resistir à tentação de aplicar um corretivo mais forte sem inimigo público número 1, o que resultaria em penalização ao clube.
O que eu sinceramente não esperava é que o time conseguisse levar para dentro de campo o sentimento de dor, de mágoa, de rancor de cada um dos 45 mil torcedores que foram ao Olímpico nesse domingo iluminado, inesquecível.
O tão criticado time do Grêmio foi heróico. Não tenho dúvida de que cada jogador jogou não apenas por si. Jogou também pela torcida. O time jogou irmanado com a torcida. E por isso conseguiu reverter um resultado que seria trágico para o torcedor, e uma benção para o alvo de tanta raiva.
Portanto, além de homenagear a grandiosa torcida gremista, quero parabenizar cada um dos jogadores gremistas, sim, jogadores gremistas. Hoje, eles não foram simplesmente jogadores do Grêmio. Foram jogadores gremistas. É uma baita diferença.
OS 14 GREMISTAS EM CAMPO
Começo pelo VICTOR. Foi ele quem evitou o gol de Ronaldinho numa cobrança de falta logo no começo do jogo. Quer dizer, o odiado Ronaldinho por detalhe não fez o seu gol no dia do reencontro nada amigável com a torcida. Seria demais, seria insuportável. Graças a Victor, o gol de Ronaldinho não aconteceu. A bola ainda bateu na trave.
MÁRIO FERNANDES ficou com a carga mais pesada. Impedir jogadas do vilão da tarde. Foi determinado, incansável. E ainda buscou atacar. Teve participação no primeiro gol de André Lima, um gol mais do que oportuno, porque marcado pouco antes de o time ir para o vestiário no intervalo.
SAIMON foi talvez quem mais incorporou a sede de vingança da torcida. Aquele pontapé por trás na canela de Ronaldinho, na linha do meio campo, custou-lhe um cartão amarelo e mais adiante a substituição. Mas ele ganhou mil pontos perante os gremistas de todas as querências.
RAFAEL MARQUES esteve perdido como todo o sistema defensivo no primeiro tempo. Até por culpa de uma proteção frágil dos meio campistas. No segundo, ao lado de Gilberto Silva, ele cresceu e não deixou mais ninguém dar toquezinho em sua frente.
O lateral JÚLIO CÉSAR fez algumas belas jogadas, apoiou e apareceu como opção para o meio de campo, marcou e lutou como um abnegado gremista. Está completamente identificado com a causa tricolor. Só faltou entrar em campo com a faixa ‘pilantra’.
GILBERTO SILVA rende mais como zagueiro. Se o suficiente para ser titular, não sei, mas ele como volante já não tem a pegada necessária. Celso Roth ajeitou a marcação ao colocar Gilberto na zaga, sacando Saimon, e escalando Adilson ao lado de Fernando, dois jogadores que mordem e que brigam pela bola como se lutassem pela vida. Gilberto tem ainda o mérito de evitar um gol de Ronaldinho, corrigindo uma falha sua mesmo no meio de campo.
FERNANDO é outro que parecia um torcedor dentro de campo. Jogou com o coração, com a alma, e com o talento que é lapidado a cada jogo. Ele e Adilson deram a proteção necessária à zaga, ergueram uma muralha diante da área. Além de marcar com eficiência, ainda tocou a bola com lucidez para puxar contra-ataques.
MARQUINHOS foi irregular como na maioria das vezes, mas dessa vez foi mais interessado, com certeza por se sentir, como os demais, um porta-voz da torcida no gramado. Vontade para vencer não lhe faltou. Roth poderia tê-lo substituído, mas optou por Escudero. Uma decisão que não contesto.
ESCUDERO foi incansável também. Mas tão irregular quanto Marquinhos. Alternou boas jogadas com lances bisonhos, como o gol que perdeu depois de receber um passe primoroso de Douglas. Ele entrou livre e tentou desviar do goleiro, que foi muito bem na bola. No rebote, Escudero poderia ter feito o gol se não fosse tão afoito. Mas foi um jogador incansável, muito útil. Deu calor na zaga flamenguista.
DOUGLAS foi o destaque técnico do jogo. Mesmo nos piores momentos, como no primeiro tempo, ele soube manter a tranqüilidade, que algumas vezes se confunde com desinteresse. Douglas foi o nome do jogo. A cereja do bolo de sua atuação foi o golaço, o terceiro, aquele que encaminhou a vitória e, o que é muito importante, deixou Ronaldinho com cara de bunda, captada num close da TV na saída de bola. Isso não tem preço.
ANDRÉ LIMA é um caso à parte. Quando a auto-estima gremista estava lá embaixo, ele achou um gol. Recebeu de costas e, ao estilo Borges, virou sobre o zagueiro e chutou cruzado. Depois, quando o Grêmio dominava e encurralava o Flamengo (que estava cansado, sem fôlego, sem pernas), André Lima lembrou Jonas. Recebeu na frente da área, deu um toque entre as pernas do zagueiro e meteu a bola no canto esquerdo, com categoria, com lucidez. André Lima, quem diria?
Mas havia outra surpresa na tarde em que Ronaldinho descobriu com quem está lidando. MIRALLES entrou no lugar de Escudero. Em seu primeiro lance, dominou pela direita, veio pelo meio e bateu de fora da área, encobrindo o goleiro. Miralles, um golaço para mostrar que merece ser olhado com mais carinho pelo técnico.
ADILSON, que substituiu Saimon, fez o que dele se espera, mas de maneira redobrada, porque, criado no Olímpico, jogou impregnado pelo sentimento de cada torcedor. O mesmo em relação a BRUNO COLAÇO, que entrou no lugar de Júlio César, lesionado. Participou pouco, mas contribuiu para garantir a vitória.
São os 14 heróis, os representantes da torcida em campo. Graças a eles Ronaldinho saiu do Olímpico de quatro. Como merece.
Agora ele tem certeza de que será sempre uma visita indesejável, e como tal será tratada. E isso até o fim dos tempos.
NOS ACRÉSCIMOS
Ah, uma palavrinha sobre o juiz. Rápido para amarelar jogadores do Grêmio, e compreensivo com os flamenguistas. Por exemplo, André Lima apanhou bastante. Um lance me chamou a atenção: Aos 34 do segundo tempo, André Lima levou um pontapé por trás, na canela, na linha divisória do gramado. Na frente do juiz. Lance muito parecido com o de Saimon em Ronaldinho. O zagueiro do Fla fez uma cara de quem sabia que poderia até levar o vermelho, ficou assustado. Roman deixou passar. Marcou a falta apenas.
Sem contar uns dois ou três lances de possíveis pênaltis na área do Flamengo, lances que a TV não repetiu. Tudo muito suspeito.