Ronaldinho não consegue conviver com a rejeição de quem ele mais ama: o Grêmio.
É a avaliação que faço de Ronaldinho e suas circunstâncias, remetendo para Ortega y Gasset – ‘Eu sou eu e minhas circunstâncias’ -, filósofo que pode ser confundido por alguém distraído com uma dupla de atacantes da Espanha.
Ronaldinho tem em sua sala, em destaque, uma foto sua, em preto e branco, com a camisa do Grêmio. Por que em preto e branco, quando há dezenas de belas fotos suas coloridas? Talvez porque essa foto simbolize o passado feliz que ele deixou pra trás em troca de muitos dinheiros.
Ninguém vai me convencer de que aquele menino que engatinhou nas arquibancadas carcomidas do Olímpico e de onde saiu para encantar o futebol com seu talento e sua arte, mantendo com a bola uma rara relação de intimidade, estava mentindo quando jurava amor ao clube.
Não tenho dúvida de que aquele momento, enquanto Assis esboçava os rumos de sua carreira depois da estrondosa estreia na Seleção Brasileira, foi o da maior verdade de Ronaldinho. Foi quando ele jogava com alegria genuína, quase amadorística, porque vestia a camisa do clube que amava.
Depois, conduzido pelo irmão/pai, Ronaldinho gradativamente deixou de ser ele mesmo. Deixou de ser aquele guri simples e sincero, para repetir frases feitas, vazias, sem qualquer conteúdo, proferidas com olhar se afastando de seus interlocutores, para que seu tormento interior não fosse desnudado. Para que não descobrissem que aquele Ronaldinho era uma farsa, um alterego do irmão/pai.
O verdadeiro Ronaldinho nunca deixou o Grêmio. Quem abandonou o clube e trocou pelo Paris Saint Germain foi a criatura sem alma e sem vontade própria moldada por Assis.
Já contei aqui, tempos atrás, uma conversa que tive com Assis, final dos anos 90, no pátio do Olímpico. Ele projetava o futuro de seu irmão mais novo, que era mais ou menos o seguinte:
– Primeiro, o futebol francês, que é mais light, menos violento, ideal para abrir as portas do futebol italiano ou espanhol. Inglaterra não, porque é um futebol mais de chutões, menos técnica -, analisava Assis naquela época.
Dois ou três anos depois disso, Assis executava seu plano, levando o irmão/filho para o PSG, o futebol francês.
Quer dizer, Assis foi o estrategista e o executor. Ronaldinho, seu boneco, sua marionete, seu instrumento.
Sua máquina de ganhar dinheiro.
A criatura, aos poucos, começou a voltar-se contra o criador. E o fez ao seu jeito, sem afrontar diretamente o pai/irmão, protetor. Ronaldinho passou a ‘viver a vida’, dedicando-se mais aos prazeres mundanos e relegando a profissão a um segundo plano.
Foi a maneira que Ronaldinho encontrou para rebelar-se, protestar, escapar de alguma forma do controle do seu guia.
Foi também uma forma de fugir da realidade incômoda que era continuar jogando futebol sem a alegria pura e profunda dos tempos em que amava e era amado verdadeiramente pela torcida do clube que o encaminhou para o reconhecimento mundial e à fortuna.
Foi, ainda, uma forma de disfarçar a dor lancinante que passou a atormentá-lo quando descobriu que, ao abandonar o lar quente de afeto e carinho, passou a ser odiado e desprezado por aqueles que antes o amavam.
Ronaldinho teve uma oportunidade de reconquistar a paz interior quando seu pai/irmão/procurador negociou sua volta ao Grêmio.
Mas era tarde. A Criatura já não ouvia o Criador. No Grêmio, ele teria de exercer a profissão na plenitude – o que agradaria seu tutor. Ao mesmo tempo, Ronaldinho temia esse reencontro com o passado, com a sua história. Por isso, melhor o clima festivo, mais liberal e descompromissado do Rio.
Agora, esse ser em que Ronaldinho se transformou está em Minas Gerais. Amanhã, estará em qualquer outro lugar.
Mas nunca mais no lugar em que ele sempre quis estar, e nunca mais com a paz interior que perdeu ao tomar o rumo apontado pelo chefe da família Assis Moreira.
A propósito, aqui cai bem Ortega y Gasset:
“Não são as Circunstâncias que Decidem a Nossa Vida…. É, pois, falso dizer que na vida «decidem as circunstâncias». Pelo contrário: as circunstâncias são o dilema, sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso caráter”.