No final da manhã retiro da gráfica os rótulos da minha nova cria: a cerveja em homenagem ao Estádio Olímpico Monumental, a OLÍMPICA.
Às 13h, depois de rotular as primeiras long neck com seu líquido precioso, telefono para um sujeito a quem devo muito, o cara que interrompeu a longa e tenebrosa noite dos títulos sucessivos do Inter na década de 70 ao vencer o Gauchão de 1977, me proporcionando uma alegria que me deixa emocionado até hoje.
O eterno presidente Hélio Dourado atende. Depois de saudações efusivas e “quanto tempo pra cá, quanto tempo pra lá”, combino de ir ao apartamento dele no final da tarde.
– No começo da tarde não dá porque tenho que ir ao banco -, diz Dourado, entre um e outro ‘érre’ engolido, me deixando feliz por saber que está ativo e plenamente lúcido, contrariando uns e outros que não gostam de ouvir vozes que contrariam seus interesses e seus projetos.
Passam alguns minutos das 17 horas quando o homem que concluiu o Olímpico Monumental na raça e na coragem abre a porta sorridente. Está mais magro, encolheu, como diminuem de tamanho todos os que chegam aos 82 anos.
Para mim, o homem que se mostra emocionado ao rever um antigo setorista continua um gigante.
– Como é bom encontrar o pessoal daquele tempo -, diz Dourado, enquanto nos acomodamos na sala. Coloco o kit presente com duas Olímpica e uma Mazembier sofre a mesa de centro. Ele percebe, mas não liga. Quer falar do passado, do Grêmio, do Olímpico, da Arena.
Natural de Santa Cruz do Sul, como eu, Dourado contou que é sócio do Grêmio desde 1941, logo que chegou a Porto Alegre. ‘Foi no dia do meu aniversário de 11 anos, dia 21 de março. Quem me levou foi minha mãe, que era muito gremista’, lembra.
Quando o assunto passa a ser o Grêmio, Hélio Dourado não disfarça sua desolação e seu desgosto.
Diz que não vai a jogos no Olímpico há mais de ano. “Só voltei lá pra voltar no Koff, que foi meu diretor de futebol em 1976′, observa.
Pergunto se ele já foi visitar a Arena. “Outro dia o Odone me convidou, mas eu não aceitei. Não tenho curiosidade”, garante.
Quem sabe a gente vai junto, provoquei. “Não, lá eu não piso”, rebateu enfático.
Ao longo da conversa percebi que ele é capaz de ir na festa de inauguração.
A maior mágoa dele, ficou claro pra mim, é que o projeto do arquiteto Plínio Almeida para modernizar e ampliar o Olímpico sequer foi considerado.
Dourado se entusiasmou quando deu detalhes da proposta do homem que projetou o Olímpico. Criticou duramente a localização da Arena e o acordo firmado com a empreiteira. “O estádio será realmente do Grêmio apenas depois de 20 anos. Em que condições estará?”, questiona.
– Mas não há mais o que fazer, presidente. A Arena está aí, é fato consumado -, pondero.
Dourado não se conforma. Mas deixa claro que sua mágoa seria amenizada se o Olímpico permanecesse em pé. A dor seria menor.
– Porto Alegre não tem um estádio para o futebol amador. O governo do estado, a prefeitura, sei lá, eles poderiam comprar essa área, impedindo a demolição do Olímpico e a construção de espigões no lugar. Mas ninguém se preocupa com isso. O Olímpico é um patrimônio do futebol gaúcho -, reforça, lembrando por momentos o grande líder que conduziu o Grêmio a a conquistar o primeiro título de campeão brasileiro, em 1981, abrindo as porteiras do Rio Grande para o Brasil e o mundo.
Não tenho dúvidas: se fosse mais jovem, Dourado mobilizaria lideranças do clube e a torcida para remodelar o Olímpico em fez de erguer a Arena, preservando o patrimônio do Grêmio.
Depois, falamos de futebol. Ele contou histórias e citou dois jogadores como símbolos de sua trajetória como presidente: De León e Oberdan. “Dois grandes jogadores, dois líderes, profissionais de caráter. Todo o time precisa ter um jogador assim, uma voz forte dentro de campo, só o treinador não resolve”, ensina o velho mestre, lamentando que o time hoje não tem um jogador com esse perfil.
Dourado ainda tem muito a contribuir. Agora, ele aguarda que daqui a algum tempo o presidente eleito Fábio Koff o visite. “Ele prometeu que viria aqui para falar do Grêmio”, diz, com os olhos brilhando.
Antes de me despedir, entrego as cervejas. Pegou a Olímpica, leu o rótulo em voz alta. Pedi licença pra tirar uma foto. Senti que Dourado ficou feliz com o presente-homenagem.
– Vou colocar na estande como um troféu, mas antes vou beber, claro -, falou, abrindo um sorriso, igual ao da foto.
Percebi que ele estava emocionado com a homenagem. Nada comparado, porém, com as emoções que senti em 1977, quando ainda não era jornalista, e em 1981, quando Baltazar marcou aquele golaço no Morumbi na conquista do Brasileiro.
Continuo devendo muito ao presidente Dourado.