A tragédia que assola o RS e o adeus a um argentino fã do futebol brasileiro

Não vou escrever sobre a tragédia que atinge o Rio Grande do Sul. Tudo ou quase tudo já foi dito. Mas é preciso registrar a mobilização dos que não foram atingidos, um exemplo de solidariedade que comove e nos faz acreditar que ainda temos salvação.

São heróis anônimos que compensam parcialmente a falta de uma ação mais efetiva dos governantes. Muitas vidas foram – e estão sendo – salvas por esses bravos e destemidos cidadãos, estes sim heróis, não aqueles que a mídia rotula de herói por ter feito um gol que decide campeonato ou algo assim.

Se eu fosse escrever sobre sobre essa enchente (Meu Deus, de onde vem tanta água?) iria deparar com situações das mais deprimentes como a da menina que pede que o barqueiro recolha uma boneca que flutuava na água barrenta do Guaíba. O barqueiro atende o apelo e leva um susto: a boneca era um bebê.

Como não se emocionar? São muitos dramas, sonhos interrompidos, vidas ceifadas, como as dos quatro membros de uma família encontrados abraçados em meio ao barro e aos escombros da moradia.

São dezenas de casos como esse. Tudo muito triste…

MENOTTI E OS ‘INVICTOS’

O futebol argentino perdeu neste domingo um dos seus nomes históricos. Morreu em Buenos Aires, aos 85 anos, César Luis Menotti, técnico que levou a Argentina ao seu primeiro título mundial, na Copa de 1978, realizada no próprio país.

EM SETEMBRO DE 2019 ESCREVI:

‘Los invictos’ e o inimigo comum

Entrevistei Cesar Menotti em 1979, no torneio de verão de Mar del Plata, logo após o River Plate empatar com o Inter por 3 a 3, com um gol antológico de Alonso (meia da seleção argentina, que recém havia conquistado o Mundial). Ele entrou a drible na área, iniciando com dois chapéus, e concluiu. É como me lembro, talvez com algum exagero – culpa do tempo e da minha memória.

Foi entrevista de página inteira do antigo Correio do Povo. Texto reproduzido pela Folha da Tarde e Folha da Manhã – eu acompanhava o Inter pelos três jornais numa excursão pela Argentina.

Recém formado, mal havia ingressado na empresa – comecei lá em outubro de 1978. Cabeludo, barba desgrenhada, magro (‘pele e osso simplesmente, quase sem recheio’). Enfim, cara de tupamaro. Acho que foi por isso que Menotti me olhou meio estranho quando apertei sua mão e me apresentei num portunhol razoável – resultado de minha velha paixão pelo tango.

Tudo isso só pra dizer que é de Menotti uma das frases mais verdadeiras do futebol mundial

-Aí vem os invictos -, disse, referindo-se aos jornalistas que se aproximavam para uma entrevista coletiva, provavelmente após um resultado negativo do seu time.

Os jornalistas nunca perdem. Ajeitam, moldam e adaptam suas opiniões conforme o resultado.

A afirmação do técnico argentino, hoje com 80 anos, pode servir também para os torcedores.

Aqui mesmo neste espaço a gente vê torcedores pedindo este ou aquele jogador. Se o técnico não o escala, é porque tem algo estranho e suspeito por trás, ou porque precisa privilegiar seus ‘bruxos’, geralmente veteranos.

Se ele escala o jogador, e a resposta é insuficiente, o torcedor faz o mesmo que os cronistas remunerados – os torcedores são os cronistas amadores, que opinam e dão pitaco de graça.

Ah, suspira o torcedor quando sua aposta não deu certo, ele foi mal escalado, jogou fora de sua posição. Enfim, há uma infinidade de desculpas.

Se a escalação dá certo, o torcedor estufa o peito. ‘Eu não disse?’.

Quero dizer que não há nada de errado nisso. Eu mesmo faço isso às vezes, e já fui mais cri-cri. Com o tempo, fui maneirando, e admitindo, com alguma resistência, que talvez, e só talvez, o profissional pago – e muito bem pago – para ajeitar meu time conheça tanto quanto eu. Vá lá, um pouco mais do que eu (caso do Renato agora, rsrs).

O problema é que tem gente não atingiu ainda esse nível de sabedoria futebolística, e fica aí corneteando de tudo que é jeito, até quando o time acumula vitórias e títulos.

Confesso que me irrito de vez em quando. Os urubulinos são poucos, mas ativos como militantes petistas. Não que os chapistas não o sejam, mas me parecem, com alguma exceção, mais tranquilos e sempre se mostram mais otimistas, reconhecendo o bom trabalho que está sendo feito.

Coisa que a turma da kombi reluta, talvez porque saiba que a qualquer momento tudo pode desandar, o que é muito natural, e o time fracasse dentro de campo.

E aí, finalmente, depois de três anos, eles estarão certos e irão encher a boca, ‘cheios de razão’, indignados com Renato, Romildo e cia: ‘Eu não disse?’.