Milton ‘gol, gol, gol’ Jung

A geração que marcou o apogeu do rádio no Estado sofre mais um desfalque: Milton Jung, que desencarnou na manhã deste domingo aos 83 anos.

Conheci o Milton nos corredores da Caldas Júnior, onde trabalhou por 56 anos.

O que pouca gente sabe é que Milton, além de excelente narrador, que nunca deixou transparecer seu gremismo durante os jogos, também produzia textos publicitários para a rádio Guaíba.

Escrevia muito bem e cobrava dos redatores do Correspondente Renner, às vezes sutilmente no ar, na entonação de voz ou na redução do ritmo de leitura. Na redação, todos sabiam que era a senha de algum erro na elaboração da notícia.

Aliás, Milton tinha um ritmo acelerado na leitura, um ritmo forte e constante. Outros locutores não conseguiam manter essa velocidade.

Era impressionante a forma como ele lia as notícias, sempre com um dedo tapando um ouvido, concentrado, como se estivesse em transe, e aquela voz transbordando energia. Um grande profissional.

Meu primeiro contato mais próximo com ele aconteceu em 1978, final de ano, quando subi do primeiro andar, onde era a redação da Folha da Tarde, para o terceiro, onde ficava a Rádio Guaíba.

Eu, jovem repórter, fora incumbindo de coletar a sua seleção do campeonato gaúcho daquele ano, coisa tradicional da imprensa gaudéria. Naquele tempo, ninguém poupava jogadores no campeonato. O Gauchão era hiper valorizado.

Quando o encontrei, ele já foi me estendendo a lista de sua seleção, que seria publicada no dia seguinte na Folha.

Fiquei espantado quando li a relação: era o time inteiro do Grêmio, do goleiro ao ponta-esquerda. E foi sempre assim, ano após ano.

Hoje, refletindo sobre isso, concluí que essa era uma maneira que o gremista Milton encontrou para reagir contra os colorados da imprensa, que sempre privilegiaram seus jogadores na hora de formar seleções de campeonatos.

Milton foi, portanto, um dos raros gremistas, assim como Antônio Augusto e Paulo Sant’ana, que reagiu ao ataque em bloco daquilo que o blog ‘cornetadorw’ define como IVI, hoje uma expressão inquestionável.

Apesar de consagrado como a ‘voz do rádio’, Milton sempre foi um sujeito humilde. Para ilustrar essa afirmação, lembro-me de uma história. Eu era diretor da rádio da Universidade/Ufrgs.

Havia um greve. Um grupo de estudantes da Fabico pediram um espaço na rádio – também em greve mas funcionando só com música – para informar sobre a paralisação e alguma atividade em andamento. Lá pelas tantas, o grupo (eram uns 20 alunos), decidiu oferecer um prêmio (um GOL) para sortear entre os (poucos) ouvintes.

Terminada a greve, foi anunciado no ar o nome do vencedor, que teria direito mesmo ao gol.

O Gol não era o carro, mas o grito de gol narrado por Milton, que dias antes havia concordado em gravar o seu ‘gol, gol, gol’ para a gurizada.

Bem, esse foi um pouco do Milton que conheci e de quem recebi um exemplar do livro, lançado na Feira do Livro do ano passado, por ele autografado.

Bem, a voz do rádio silencia. Ninguém nunca mais vai narrar um gol do Grêmio com tanta verdade, tanta paixão.