Fazia frio e chovia muito, muito mesmo. Um narrador de futebol de antigamente diria que ‘chovia a cântaros’ quando eu e o fotógrafo (esqueci o nome, mas fico devendo) descemos de um taxi dos anos 50 ou 60 diante do estádio do Argentinos Juniors, no bairro La Paternal, em Buenos Aires.
Eu havia combinado na véspera uma entrevista com aquele que era considerado pela imprensa local a maior revelação do futebol argentino, um fenômeno. O taxista, ao saber que iríamos nos encontrar com o jovem ídolo do Argentinos Juniors, encheu a boca para dizer “es un fenôooooomeno”. E acrescentou, sorrindo: “Logo, logo ele estará no Boca”.
Naquele ano, 1981, os meios de comunicação do país só falavam disso: Maradona no Boca. Maradona estava com 20 anos. Em cinco anos de profissional, havia marcado 149 gols em 166 jogos por seu clube. O Barcelona também demonstrava interesse no craque.
Imaginei que haveria algum esquema de segurança especial na porta de acesso ao estádio que hoje leva o nome de Diego Maradona. Que nada! Pelo contrário. Havia apenas um porteiro, um senhor de cabelos grisalhos, lambidos como os de Carlos Gardel ou de qualquer cantor de tango que se preze.
Era um lugar simples, modesto, semelhante a muitos pequenos estádios do interior gaúcho. Lembrei-me logo do estádio do Zequinha, principalmente pelo vestiário, pequeno e sem qualquer sinal de luxo. Hoje, deve estar diferente, porque Maradona, pelo que soube, investiu no local onde nasceu para o futebol.
Maradona ainda não havia chegado. Mas seus companheiros treinavam debaixo da chuva. Pensei, ele vai chegar atrasado e não me dará a entrevista. Eu tinha menos de três anos de profissão. Mas já sabia como as coisas funcionam. Dito e feito.
O jovem craque chegou já trajando um abrigo impermeável, pronto para participar do treinamento. “Tô fudido”, pensei, olhando pra aquele pequeno gardelon de 1m65, cabeleira preta. Maradona sentara num banco do vestiário para calçar as chuteiras.
Foi aí que perguntei sobre sua saída do Argentinos e seus futuro. Ele respondeu que nada estava decidido, mas que era muito provável que trocasse de clube em breve. Questão de semanas. Fez mistério sobre qual clube seria. Mas deu uma dica aquele jovem repórter brasileiro, todo molhado, desesperado por uma declaração, uma informação exclusiva, algo que justificasse tanto esforço.
Acho que ele ficou penalizado com a minha cara de cachorro sem dono. Ele se levantou, apertamos as mãos – as que no futuro seriam “las manos de dios”.
Foi aí, nos acréscimos, no ‘apagar das luzes’, que ele revelou, depois de ser questionado sobre se iria para o Boca ou para o Barça:
-Nada está decidido, mas meu grande sonho é vestir a camisa do Boca -, e saiu apressado rumo ao gramado. Duas semanas depois ele foi anunciado no La Bombonera.
Foi assim meu encontro relâmpago com Maradona, um dos grandes craques do futebol mundial, que será sempre lembrado por sua arte, seu talento.
No mais viveu ao seu jeito. A canção consagrada por Frank Sinatra, My Way, poderia ficar de pano de fundo no seu adeus. Ou um tango, por exemplo: o genial Por Una Cabeza. Ou ainda No llores por mil Argentina.