Quem padeceu nos anos 70 e sobreviveu, como ainda é o meu caso, sabe que bateu o desespero nas direções da época, que contratavam jogadores para formar um time capaz de quebrar a hegemonia do rival. Poucos subiam da base e davam uma resposta à altura. É o caso de Iúra, um guerreiro, um herói nos clássicos grenais. O problema era a companhia.
Lembro-me de um guri da base que era cantado em prosa e verso como futuro craque: Jorge Leandro. Um meia habilidoso, um camisa 10. Eu ainda não trabalhava na imprensa. Eu o acompanhava pelos jornais e nos jogos no Olímpico. Leandro não estourava. Hoje entendo como era complicado para um guri das categorias inferiores jogar naquela crise, com nível de cobrança batendo no teto em função da necessidade.
Leandro se encaminhava da base para o time dos veteranos, até que de repente, não lembro por quê, ele começou a jogar, a desfilar seu talento. Mas Leandro durou pouco. Quando estava se afirmando como um possível craque, eis que ele estoura um joelho. Coisa feia. Nunca mais foi o mesmo.
Com a conquista do título gaúcho em 1977 (sim, vencer o Gauchão sempre é importante), quebrando a humilhante série de oito títulos seguidos do rival, a situação no Grêmio começou a clarear. Foi nesse período que Leandro começou a aparecer. Depois, veio a geração de jovens que levou o Grêmio ao grande título do Brasileiro de 1981, uma das maiores emoções que vivi no futebol. Eu era setorista do Grêmio naquela época. Fazia campanha pelo jornal, o Folha da Tarde, para um melhor aproveitamento dos juniores, citando o Inter como exemplo.
Eu acompanhava os treinos no campo suplementar e sempre que via um jovem se destacando eu fazia matéria com ele. Um exemplo: Paulo Roberto, o coelhinho. Fui a primeiro a escrever sobre ele, que jogava de volante e estava passando para a lateral-direita. Outro caso: Odair, que indiquei para Fantoni prestar atenção. Ele me ouviu e logo o escalou para um amistoso em Canela.
Então, não vejo ninguém com mais autoridade que eu para falar sobre o quanto é importante investir forte na base, e dela extrair jogadores para a conquista de títulos e como receita para os cofres do clube.
O exemplo de 1981 foi mantido nos anos que se seguiram. Nem sempre com o sucesso esperado. Década após década a gente percebe ondas de jovens talentos surgindo e ajudando o clube a crescer, mesclado com jogadores de fora.
Hoje, vivemos talvez a maior onda de todas desde 1970. Nos últimos cinco ou seis anos, o Grêmio revelou grandes jogadores e faturou milhões de euros. Nesse período, o Grêmio ganhou ainda maior projeção no país e no exterior. Cometeu equívocos? Sim. Contratou mal? Sim. Mas os acertos são em muito maior número.
Há quem critique a direção por ter ‘perdido’ Diego Rosa e Tetê, dois jovens talentos da base. Orientados por empresários/procuradores, ele decidiram seguir carreira no exterior. E aí não há cristo que resolva. A direção pode ter vacilado nesses dois casos, mas há outros tantos casos que deram resultado positivo tecnicamente e financeiramente.
Posso estar errado, não pesquisei, mas acho que só o Flamengo faturou mais que o Grêmio desde a chegada de Renato, responsável pela lapidação de Pedro Rocha, Éverton e Petê, entre outros. Deixando claro que essa política na base não é obra do Renato, e sim da direção, que encontrou em Renato um parceiro valioso na lapidação dos talentos.
O que mudou é que agora, depois dos casos Diego Rosa e Tetê, parece estará havendo mais zelo e agilidade na avaliação das promessas. O Grêmio tem feito contratos longos com os mais promissores, se antecipando às garras dos abutres que pairam sobre as categorias de base dos clubes de futebol.
Hoje mesmo se noticia que o clube prorrogou o contrato com o volante Fernando Henrique, 19 anos, para 2024, com multa de 40 milhões de euros. É um investimento que pode ou não dar o retorno esperado. Mas não resta outra alternativa aos clubes se não quiserem perder suas pedras mais preciosas. É um risco, mas não tem outra saída.
No mais, parabéns ao Santos, que, até por falta de alternativa, mandou a campo uma gurizada cheia de ambição e, certamente, com qualidade, sob o comando do técnico Cuca. Deu certo, independente do que acontecer na decisão contra o Palmeiras.
Não é uma fórmula mágica. Mas é um caminho que merece ser melhor avaliado pelos clubes: olhar com mais atenção o guri louco pra jogar do que pegar jogador meia-boca em fim de carreira e de alto custo.
NÚMEROS
Só com a venda de quatro jogadores da base, de 2017 pra cá, o Grêmio faturou R$ 350 milhões: Wallace (33 milhões), Pedro Rocha (45 milhões); Arthur (120 milhões), Jailson, 19 milhões, e Éverton, R$ 128 milhões.
Com Tetê, que o Grêmio ‘perdeu’, foram recebidos, em 2019, R$ 42 milhões.
NUNCA o clube vendeu tanto, tão bem e em tão pouco tempo.
Em meio a tudo isso, uma Copa do BRasil e uma Libertadores.
E há quem diga que o clube tem problema de gestão.