Um dos maiores orgulhos de Paulo Moura era contar que ninguém sabia qual a cor do seu time.
– O Petry (Rudi, um dos mais importantes dirigentes do Grêmio nos anos 60 e 70, e sempre muito influente) nunca descobriu qual o meu time. Ele dizia que sabia o time de todos os repórteres, menos o meu -, lembrava, todo orgulhoso.
Esse curto relato ouvi dezenas de vezes ao longo de mais de 20 anos de convívio com o Moura na redação do Correio do Povo, desde os tempos do ‘jornal grande’, tamanho standard, ao atual.
Moura trabalhou quase cinco décadas na Caldas Júnior. Começou na antiga Folha Esportiva, na curva dos anos 50 para os 60.
Moura era um grande profissional, uma formiguinha para trabalhar. Sentava e já dedilhava sua Remington, ou Olivetti. Lembro da transição da máquina de escrever para o computador, isso há uns 20 anos.
– Eu nunca vou aprender a trabalhar com isso. Tenho que largar – resmungava.
Mas Moura aprendeu, assim como eu e outros dinossauros.
Moura não era de muita brincadeira no trabalho. Era compenetrado, mas aos poucos era envolvido pelo clima ruidoso da editoria de esportes. Outras vezes, reclamava de uma risada mais espalhafatosa (claro, do Chico Izidro), das broncas do Possas, das piadas, das conversas paralelas em tom elevado, das brigas do Chicão com o Possas, etc.
– Vocês não trabalham, não tem o que fazer?
Reclamava também do Agenda Negativa, apelido que dei ao Carlos Corrêa, que sempre vinha com notícia ruim dos clubes.
Agora, se derretia para a Mariana, a dama do esporte. A primeira a se firmar na editoria depois de décadas de domínio de cuecas.
Conquistador inveterado, distribuia balas para as gurias da redação. Só para as mais belas. A Vivian, então na diagramação, o explorava. Todas as noites se encostava ao lado do Moura, com um sorriso sedutor e voz melosa.
Moura já sabia. Abria sua gaveta discretamente e entregava balinhas com um olhar safado que ficava acompanhando a Vivian se afastar feliz.
Enciumada, a Mariane, que só comia alface e tomate quando se incorporou à nossa equipe, também aderiu às ‘balinhas do Moura’.
E eu ali, ao lado do Moura, esse tempo todo, sempre lançando umas pegadinhas para ver se ele se traía em relação ao seu time do coração.
– Moura, um dia a gente vai te dar um porre e tu vai se abrir – eu o provocava.
Ele sorria e garantia que nunca seu segredo seria revelado. De vez em quando ele se traía, o que gerava meia hora a mais de bagunça na editoria.
A gente brincava também com o saudosismo dele no futebol. Ele não se cansava de citar craques do passado, normalmente do Grêmio, como o Gessy, o Juarez, o Airton. Por que será?
– Hoje é tudo japonês -, repetia.
Foi o que ouvi do Moura quando o vi pela última vez num churrasco de confraternização, há uns 20 dias, quando conversamos rapidamente sobre a Copa do Mundo. Ele dizia que só tinha visto seleção ruim.
Logo que me viu, ele reclamou que eu saí do jornal sem me despedir. Respondi que foi uma decisão repentina, que não deu tempo…
Moura brincou muito com a gente aquela noite. Bebeu muita cerveja, não como nos velhos tempos, em que ele era dos últimos a deixar a mesa. Perguntou como eu me sentia depois de deixar o CP. Só sinto falta de vocês, das nossa amizade, nossas brincadeiras, respondi.
Moura parecia mais cansado, mas estava animado como sempre, brincalhão. Rimos muito.
Moura saiu mais cedo do que de costume. Colocou o seu boné. Eu o abracei com força. Sabia que ele estava meio doente. Ele sorriu quando nos separamos. Percebi uma sombra de melancolia naquele sorriso, naquele olhar.
Foi a última vez que vi o Mourinha.
A despedida final, mesmo, será daqui a pouco, neste sábado chuvoso e triste. Estou indo para o velório do meu velho parceiro, no São Miguel e Almas, junto ao estádio Olímpico.
Já não verei o sorriso generoso e amigo do velho Moura.